
Whereof one cannot speak, thereof one must be silent
In art it is hard to say anything as good as saying nothing.- Wittgenstein
E no entanto é preciso falar. O silêncio pode ser contemplação e profundidade, abertura em que o Tao, Zen, Id ou o que quer que seja inominado se manifesta; mas também pode ser mostra de emburrecimento e superficialidade, o clichê cínico de evitar a fala para não revelar a ausência de conteúdo interno. Se quebrar o silêncio no sentido literal já carrega essas contradições, muito mais espinhoso é o assunto de "falar" em meios digitais. Falar deveria ser comunicar, enviar a um interlocutor uma mensagem significativa, e o grande pecado do mundo informático é o de afogar a comunicação no excesso, na saturação de informação.
Por quê razão então fazer um blog? Por quê jogar mais informação no mundo, mais texto, mais imagem, mais símbolos? Todos os dias uma avalanche de informação arrasta, cega, exaure a massa de subjetividades "cronicamente online".
E no entanto é preciso falar. Nenhum ser humano é um animal menos simbólico que todos os outros animais simbólicos, e não tem menos necessidade de significado e de expressão. Mas nosso tempo é plus quam desencantado, e já nessa altura a "necessidade de expressar-se" soa como um ato mecânico, descarga de entropia interna, sistemas acoplando-se a outros sistemas buscando estados de equilíbrio inalcançáveis, alcançando, isso sim, estados inavegáveis de caos informacional (uma versão insossa e inconsequente da "Redenção" do Mainlander). Tudo isso sei perfeitamente bem, e no entanto me sinto na obrigação de entrar em contradição com o sabido.
Não existe a fala sem um sujeito. Aquele que aqui fala é meu eu efetivo (e nessa afirmação há um salto de fé que não ignora mas deve desculpas a algumas advertências velhas e conhecidas), não uma entidade abstrata e digital emitindo padrões sintáticos ditados por uma lógica determinista. A avalanche que nos acomete é uma hipertrofia de sintaxes sem semântica, a produção sem fim de "conteúdo" que de conteúdo não possui nada, somente o vazio da (re)produção constante das mesmas formas cansadas, os modelos de linguagem de grande escala avançando como vanguarda desse processo. A essa propagação do nada é preciso se opor, é preciso construir sentido, algum oásis de significado no deserto semântico.
Eu não nego a realidade "real" do mundo mecânico-digital-cyberpunk-geleia-geral-pós-moderna. Eu me nego a adotar esta realidade como realidade da minha existência efetiva enquanto ser humano, quer dizer, da minha existência enquanto vida (no sentido radical do Ortega y Gasset e trágico do Unamuno). O "eu", a subjetividade, a crença na própria agência (e na necessidade de agir) podem até ser "objetivamente" um devaneio narcísico de certo mecanismo neuro-psíquico. Mas precisamente, de que me importa isso? É preciso falar.