A Argentina e o perfeccionismo técnico

2025.III.31


Brincando capoeira no Obelisco (Grupo Topázio)

Se dirá que los argentinos no ‘juegan al fútbol’, sino que ‘tocan fútbol’, ya que son como virtuosos que tocan el piano o el violín.
-Eduardo Archetti, Estilo y virtudes masculinas en El Gráfico: la creación del imaginario del fútbol argentino (1995)

Era julho de 2019, inverno porteño, e eu estava caminhando pelo centro de Buenos Aires, voltando para o pensionato onde vivia. Em plena Av. 9 de Julio, em frente ao Obelisco, estava acontecendo uma roda de capoeira. Era o dia mundial da prática e associações argentinas tinham convidado associações brasileiras para celebrar a data brincando/dançando/jogando capoeira naquela tarde gélida.

O contraste entre os grupos brasileiros e argentinos era fascinante. Os brasileiros realmente brincavam capoeira, todo movimento tinha um ar de atenção despreocupada, uma leveza talvez com certa falta de precisão mas carregada de intenção e uma graça que vem da longa experiência livre com a prática. Jogo bonito. Os argentinos, por seu lado, jogavam capoeira como se fosse ginástica artística: muitas vezes faltava essa graça e leveza, mas se via a concentração mental na melhor realização possível de cada movimento, sempre feito de forma precisa e bem acabada. Justamente, nos argentinos não se via tanto o aspecto da capoeira como dança e sim como prática esportiva de alto desempenho.

Em quase toda arte na Argentina se percebe essa obsessão com a qualidade técnica. O 4-1 da seleção Argentina sobre a Brasileira na terça passada (25/03) foi ainda outra demonstração do que acontece quando o amor pela técnica coincide com a determinação. O futebol argentino não busca a maior beleza possível em jogadas individuais, mas sim a distribuição de elementos no campo da forma mais perfeita possível, de modo que se possa aproveitar qualquer deslize do adversário, a menor abertura que seja. Logicamente também contribuiu para esse resultado a já longa crise do futebol brasileiro, mas essa mesma incapacidade da seleção brasileira de jogar como equipe, ou mesmo de pelo menos criar chances individuais, acentuou ainda mais o funcionamento fluido e preciso da seleção argentina. Bom seria ter visto o encontro de duas formas contrastantes, até incompatíveis, mas realizadas a pleno pelas duas partes, como na capoeira da 9 de Julio.

O excepcional é a capacidade argentina de juntar técnica e paixão. A busca pela perfeição técnica não resulta em frieza, como seria de imaginar, e não se trata só de uma prática mecânica/materialista, repetida à exaustão como máquina. Se trata de dominar e utilizar o meio material, explorar as possibilidades do mundo concreto como bom artesão para trazer, ainda que seja por um breve momento, a fantasia à realidade. A comparação com o virtuosismo musical é mais que apropriada. Tanto no futebol como na música de virtuosos o que está em jogo é o uso da prática técnica como meio de canalizar, concentrar e direcionar o mundo afetivo interno à realização de algo.

Para dizer de outra forma, a albiceleste em campo, a Argerich ao piano: puro fútbol.