
Se dirá que los argentinos no ‘juegan al fútbol’, sino que ‘tocan fútbol’, ya que son como virtuosos que tocan el piano o el violín.
-Eduardo Archetti, Estilo y virtudes masculinas en El Gráfico: la creación del imaginario del fútbol argentino (1995)
Era julho de 2019, inverno porteño, e eu estava caminhando pelo centro de Buenos Aires, voltando para o pensionato onde vivia. Em plena Av. 9 de Julio, em frente ao Obelisco, estava acontecendo uma roda de capoeira. Era o dia mundial da prática e associações argentinas tinham convidado associações brasileiras para celebrar a data brincando/dançando/jogando capoeira naquela tarde gélida.
O contraste entre os grupos brasileiros e argentinos era fascinante. Os brasileiros realmente brincavam capoeira, todo movimento tinha um ar de atenção despreocupada, uma leveza talvez com certa falta de precisão mas carregada de intenção e uma graça que vem da longa experiência livre com a prática. Jogo bonito. Os argentinos, por seu lado, jogavam capoeira como se fosse ginástica artística: muitas vezes faltava essa graça e leveza, mas se via a concentração mental na melhor realização possível de cada movimento, sempre feito de forma precisa e bem acabada. Justamente, nos argentinos não se via tanto o aspecto da capoeira como dança e sim como prática esportiva de alto desempenho.
Em quase toda arte na Argentina se percebe essa obsessão com a qualidade técnica. O 4-1 da seleção Argentina sobre a Brasileira na terça passada (25/03) foi ainda outra demonstração do que acontece quando o amor pela técnica coincide com a determinação. O futebol argentino não busca a maior beleza possível em jogadas individuais, mas sim a distribuição de elementos no campo da forma mais perfeita possível, de modo que se possa aproveitar qualquer deslize do adversário, a menor abertura que seja. Logicamente também contribuiu para esse resultado a já longa crise do futebol brasileiro, mas essa mesma incapacidade da seleção brasileira de jogar como equipe, ou mesmo de pelo menos criar chances individuais, acentuou ainda mais o funcionamento fluido e preciso da seleção argentina. Bom seria ter visto o encontro de duas formas contrastantes, até incompatíveis, mas realizadas a pleno pelas duas partes, como na capoeira da 9 de Julio.
O excepcional é a capacidade argentina de juntar técnica e paixão. A busca pela perfeição técnica não resulta em frieza, como seria de imaginar, e não se trata só de uma prática mecânica/materialista, repetida à exaustão como máquina. Se trata de dominar e utilizar o meio material, explorar as possibilidades do mundo concreto como bom artesão para trazer, ainda que seja por um breve momento, a fantasia à realidade. A comparação com o virtuosismo musical é mais que apropriada. Tanto no futebol como na música de virtuosos o que está em jogo é o uso da prática técnica como meio de canalizar, concentrar e direcionar o mundo afetivo interno à realização de algo.
Para dizer de outra forma, a albiceleste em campo, a Argerich ao piano: puro fútbol.